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Um tema a três | Quando eu me sinto livre

Nós sempre gostamos de conversar e compartilhar sobre tudo, do ponto de vista de cada uma, e agora te convidamos a conversar com a gente. Para tornar nosso blog ainda mais plural, esporadicamente nós três iremos escolher uma semana para postarmos algo sobre o mesmo tema. Sem frequência determinada, nem amarras das regras. ​​​​​​​​​​

 

Me sinto livre ao fechar os olhos, imaginando dançar a “Nuvole Bianche”, de Ludovico Einaudi. Mas não sei bem se o deveria. Fechando os olhos, eu não estou fugindo da realidade?


Acho na internet um poema de Erin Hanson: “Há liberdade esperando por você, / Nas brisas do céu, / E você pergunta "e se eu cair?" / Oh, minha querida, / E se você voar?”. E eu me lembro de um conto do Neil Gaiman em que ele fala “Às vezes você acorda. Às vezes, a queda mata. E às vezes, quando você cai, você voa”.


E eu fico com a sensação de que liberdade é voar quando se está em queda. Descobrir-se capaz, estender as asas e ser salva por seu próprio voo. Ser salva da queda. Sentir-se livre é então um assombro, algo gigante, invisível, com asas descobertas apenas na queda.


Liberdade seria vento, coisa sem cor e sem substância, mas com movimento? É um susto, um assombro de maravilha.


Liberdade pássaros, de Dani Purper

Então, meu sentimento, de ser livre ao me imaginar dançando, se torna tão pequeno frente à essa outra liberdade monstruosa. Meu momento, imaginado apenas dentro de mim, é confortável e parece tolo, como uma história para dormir.


Mais tola ainda minha liberdade parece ao colocá-la frente à “Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix. Na pintura, a liberdade é uma mulher forte, empunhando bandeira e arma, colo desnudo, a olhar para trás, para talvez observar quem a segue, a seu lado um menino também com armas. Essa liberdade é uma visão grandiosa. Engraçado que seu rosto não está voltado para frente, mas sim para o lado. Curiosa também suas feições, boca entreaberta, talvez porque fala, talvez porque arfa, e seus olhos são indecifráveis. Eu não consigo decifrá-los, uma vez que eles não me encaram.


Minha liberdade seguiria essa grandiosa liberdade aonde quer que ela fosse. Essa grandiosa liberdade é ação, é movimento visível, decidido, confiante, inspiradora. É a liberdade que age.


Mas não consigo evitar. Escuto a música e de novo está aqui comigo, dentro de mim, a minha liberdade. E ela é do meu tamanho e me faz existir em um momento que existe para mim.


A liberdade imensa e grandiosa é magnífica mas não é a minha. E creio que não seja a nossa, de mulher alguma, de homem algum. A liberdade imensa é como o mar, como cavalos correndo, como raios em uma tempestade, ela é, do verbo ser, intransitivamente. Não pertence a ninguém.


A minha liberdade é do meu tamanho, e não pode estar onde eu não estou. A minha liberdade surge quando há música em mim, e ela não pode estar quando eu não estou.


Quando eu sinto que sou livre, é a pergunta que fiz, e não sei se é completa.


Eu posso me sentir livre em meu mundo, de olhos fechados, mas ele não é o mundo real, tampouco ele é irreal para mim. “Quando eu me sinto livre” é uma pergunta poética, que me aproxima de minha alma; “quando eu sou livre” é uma pergunta que incomoda, que me leva às ruas.


“Sentir” e “ser” não deveriam existir desconexos. Talvez o caminho de um a outro seja partir de como eu me sinto livre para chegar até o que eu faço para lutar lado a lado com a liberdade grandiosa. Sentir minha liberdade é o meu ninho, é onde me alimento, é onde me fortaleço; estar junto com a liberdade grandiosa é lutar lado a lado em batalha, é quando me fortaleço.


A liberdade gigantesca está por aí solta, lutando. Ela não será domesticada por pessoa alguma, sistema algum, economia alguma, política alguma. Pelo pouco que vejo, percebo que ela não gosta das grandes cidades, nem de grupos fechados, nem dos caóticos, nem dos organizados. Não sei bem do que ela gosta, pois ela se avizinha sem fazer ninho em nenhum lugar. Acho que, enquanto ela não conquistar o que deve conquistar, não se decidirá a habitar entre nós. Ela nos observa, ela olha para os lados e nos chama para lhe acompanhar.


Eu a sinto passar por perto e a admiro. Minha pequena liberdade, ela e eu conversamos e imaginamos criar um modo de nos encontrarmos mais. Enquanto isso, nos inspiramos, eu a lutar ao lado dela, e ela a dançar comigo.


Imagem: Liberdade pássaros, de Dani Purper



*Érica é, além de tudo o que uma mulher pode ser, uma sonhadora. E, para que todos os sonhos se tornem realidade, usa as palavras para transformar o hoje em poesia e o amanhã em um lugar melhor.


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